Com o tema “Sonhar, imaginar, transformar”, a Flima – Festa Literária da Mantiqueira, tem sua edição mais democrática, diversa e inclusiva com recorde de público e grande envolvimento da comunidade

Realizada entre os dias 12 e 15 de outubro, a 6ª edição da FLIMA – Festa Literária da Mantiqueira reuniu um público presencial de 12.000 moradores e turistas em Santo Antônio do Pinhal (SP), encantadora cidade de 7.000 habitantes situada na Área de Preservação Ambiental (APA) da serra da Mantiqueira. Em algumas mesas literárias e shows, não havia poltronas vagas no bem equipado Auditório Municipal da cidade, com capacidade para 300 pessoas. Esta foi a edição mais pulsante da Festa Literária da Mantiqueira, que teve mesas literárias que chegaram a reunir mais de 1.000 pessoas, lançamento nacional de livros e uma programação que abriu espaço para outras linguagens, como música, teatro e performance.

A mesa literária mais concorrida da Flima aconteceu na tarde de sexta-feira (13) – “Oráculos ancestrais”, com Sidarta Ribeiro e Marcelo Leite, e mediação de Maria Carolina Casati – com um público total de mais de 1.000 pessoas – 700 delas acompanharam a conversa sobre sonhos e psicodélicos pelo telão que exibia a as atividades transmitidas pelo canal do YouTube e pelo Instagram do festival. Ao longo dos 4 dias, a programação online, que está disponível, teve mais de 5.000 visualizações. Para Roberto Guimarães, idealizador da FLIMA e curador da programação principal:

“Foi uma grande festa, a maior e mais pulsante edição da FLIMA. É claro que estamos felizes com a grande presença de público, especialmente considerando a restrição orçamentária para realizar um festival dessa magnitude, com 11 mesas literárias e mais de 100 atividades totalmente gratuitas para todas as idades. Mais do que números expressivos, porém, o que importa para nós é a relevância das conversas, a contribuição para o debate público de ideias e a possibilidade de ampliação do processo de escuta do outro. Essa é razão de existir do festival, a bússola que nos orienta desde 2018. Não faz sentido reunir autores interessantes e não dar espaço para que as pessoas desenvolvam seus raciocínios.”

Outro ponto alto da Feira foi a Fliminha, que atraiu centenas de famílias para as mais diversas atividades entre contações de histórias, oficinas, shows, mediações de leitura, espetáculos, bate-papos, performances e a participação de grandes nomes da literatura infantojuvenil. As crianças de Santo Antônio do Pinhal marcaram presença na programação, com destaque para a mesa de encerramento do festival, em homenagem a Ailton Krenak. Essa é a Flima mais democrática, inclusiva e diversa que já fizemos”, conta Roberto Guimarães, idealizador e curador da festa. Em relação ao tema, ele explica que “os últimos anos foram asfixiantes e complicados demais; além de emergência climática, pandemia e ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo. Mais do que nunca, é preciso voltar a sonhar!”. E emenda a escolha pelo tema do sonho: “alguns povos indígenas entendem o sonho como fonte de conhecimento. Como diz nosso homenageado, Ailton Krenak, o futuro é ancestral”. 

“Autora faz chover”

Um dos destaques da programação principal foi a mesa do início da tarde de quinta-feira (12): “Puris da Mantiqueira e caiçaras de Ubatuba”, com Aline Rochedo Pachamama e Adilson Zambaldi. Seguindo a tradição de olhar para o território em que está inserida e refletir sobre as questões ambientais a partir da ecologia, a conversa tratou das questões e interlocuções entre o povo puri da Mantiqueira e os caiçaras do litoral norte do estado de São Paulo. Em sua fala inicial, a historiadora e escritora Aline Rochedo Pachamama, ela própria Puri, entoou uma bela melodia que, segundo contextualizou, seria um chamado para a Mãe Terra. E literalmente fez chover.

A tempestade que se seguiu, com um vendaval raras vezes visto nos últimos 100 anos na região, derrubou dezenas de árvores e deixou cidades inteiras sem energia elétrica até meados da madrugada, incluindo a vizinha Campos do Jordão, o que obrigou a organização da FLIMA a readequar alguns espaços do festival – a tarefa envolveu cerca de 30 pessoas da produção que avançaram noite adentro, sob chuva e sem luz, permitindo que a FLIMA fosse realizada normalmente no dia seguinte, com grande público. “No auge da tempestade, muitos visitantes se mobilizaram para ajudar a organização. Foi um momento tocante, que certamente contribuiu para a FLIMA ser ainda mais transformadora para muita gente”, acredita Roberto Guimarães.

A chuva torrencial tornou ainda mais especial a segunda mesa literária, que marcou o lançamento nacional do livro de crônicas “Marinheira no mundo”, de Ruth Guimarães, com a presença de seus filhos Joaquim Maria Botelho e Júnia Botelho, organizadora do livro. Os cerca de 100 participantes que não arredaram pé do Auditório Municipal acenderam as lanternas de seus celulares para ouvir a conversa mediada por Camilla Dias, resultando num momento tocante – e mágico – que certamente os presentes não esquecerão tão cedo.

Com diversas mesas literárias, a programação principal reuniu alguns dos principais autores do país, como Natalia Timerman, Jô Freitas, Julián Fuks, Marilene Felinto, Vanessa Passos e Luiz Eduardo Soares, além de escritoras e escritores que têm despontado na cena literária, como Helena Machado, Fred Di Giacomo, Lilia Guerra e Karin Hueck, que lançou na FLIMA – em mesa com Joca Reiners Terron –, seu primeiro romance “A segunda mãe” (Todavia), uma obra distópica que revela, num pano de fundo de uma crise conjugal de duas mulheres, as diversas formas de opressão na sociedade.

Marilene Felinto no palco da Flima 2023.

O encerramento do festival, domingo à tarde, levou as crianças cidade ao centro do palco. Em vez de repisar a batida pergunta “que mundo queremos entregar às novas gerações?”, e logo responder com as típicas propostas de adultos, a FLIMA decidiu fazer o caminho inverso e ouvir as crianças, colocando-as como protagonistas do processo de sonhar, imaginar e transformar o futuro – tema da curadoria da edição deste ano, que teve o escritor e ativista indígena Ailton Krenak como homenageado. Também no domingo (15) à tarde a Casa Philos apresentou a mesa Alianças de Corpos Vulneráveis: na margem do que se lê, com Pam Araújo, Manuela Navas e o editor-chefe da Philos, Jorge Pereira. Além do lançamento e estreia nacional do documentário Adélia Prado: Mais tempo alegre do que triste, no encerramento da programação da FLIMA.

Inspirada no livro “Além da chuva” (FTD), de Michel Gorski e Fernando Vilela, a mesa “Ideias para mudar o mundo: a visão das crianças”, teve início algumas semanas antes do festival, com a leitura do livro e uma caminhada pelo rio da Prata “para ouvir o rio” e inspirar as crianças a ter ideias (muitas vezes aparentemente malucas) para limpar o rio e, assim, melhorar a vida de todos. “Foi sensacional ver a participação das crianças, seus desenhos e suas propostas”, afirma Michel Gorski, que, além de autor, é arquiteto e urbanista, e frequenta Santo Antônio do Pinhal há mais de 20 anos. “Não poderia imaginar encerramento melhor para o festival desse ano, com a participação das crianças e o trabalho conjunto entre a curadoria da programação principal e da programação infanto-juvenil, da Fliminha”, conclui Guimarães.

O balanço parcial de vendas de livros no festival aponta que foram comercializados cerca de 3.000 livros nos quatro dias de evento. Segundo a Livraria Mantiqueira, livraria oficial da FLIMA, o resultado só não foi melhor porque as fortes chuvas a obrigaram a diminuir a área total de exposição de títulos. O livro mais vendido foi “Sonho manifesto”, de Sidarta Ribeiro, com cerca de 250 exemplares comercializados, boa parte deles na sessão de autógrafos que durou mais de duas horas.

Para além da relevância cultural e literária, a FLIMA é importante para a economia de Santo Antônio do Pinhal, gerando dezenas de empregos diretos e centenas de empregos indiretos. A taxa de ocupação das pousadas foi de mais de 90% e as opções de hospedagem mais próximas ao Auditório esgotaram algumas semanas antes do evento, que contou, ainda, com uma área de alimentação com cerveja artesanal e foodtrucks, além de uma feira de produtores regionais, que reuniu produtores de azeite, chocolate, queijo, geleia, cosméticos naturais, padaria artesanal e micro torrefação de cafés agroecológicos, entre outras atrações. “Esses produtos de qualidade são uma manifestação cultural extremamente relevante, em especial quando traduzem o espírito da Mantiqueira”, afirma Guimarães.

A FLIMA 2023 foi realizado com recursos de dois editais do ProAC, um para a programação adulta e outro para a programação infantil. Contou com o apoio de infraestrutura da Prefeitura Municipal de Santo Antônio do Pinhal, patrocínio do Picanha & Pasta, restaurante oficial da FLIMA, e apoio da Ufa Mulufa e da Cervejaria Araukarien. A programação cultural contou com parcerias de conteúdo regionais, de iniciativas públicas e privadas de municípios como São Bento do Sapucaí, São Francisco Xavier e Sapucaí-Mirim, da Casa Philos, do Forumdoc.bh e da Primavera Editorial. O apoio cultural da Vanguarda (TV Globo do Vale do Paraíba) e da Buriti Comunicação. A Livraria Mantiqueira foi a livraria oficial do festival.

Fliminha 2023

A Festa Literária da Mantiqueira apresentou 11 mesas literárias, lançamentos de livros e filmes, estreias teatrais, mostra audiovisual indígena, 30 sessões de autógrafos, além de diversas atividades em torno do livro e da leitura para refletir o tema “Sonhar, imaginar, transformar”Para o curador: Nosso desejo é espalhar paraquedas coloridos pela Flima 2023 e semear novas e potentes histórias!”. Com relação aos ‘paraquedas’, explica: “Em Ideias para adiar o fim do mundo, Krenak sugere que a gente construa, com ciência e arte, paraquedas coloridos para aproveitar a queda, que é inevitável. Foi com esta inspiração que pensamos o festival este ano!”, finaliza o curador.

Patrimônio Cultural Imaterial de São Bento do Sapucaí, o Bloco do Zé Pereira abriu a Flima no dia 12 de outubro, de manhã. O seu tradicional cortejo, que há mais de 100 anos arrasta gerações pelas ruas da cidade, irá irromper a programação da festa com seus bonecos gigantes, mostrando que a diversidade dará o tom desta edição. Logo após, aconteceu o show de abertura Brasileirinhos – Música para os Bichos do Brasil, com Paulo Bira (violão e voz), Kennya Macedo (voz), Beto Sporleder (sax, flauta e voz), Bruno Iasi (bateria) e Caio Goes (baixo). As músicas tratam, com leveza e humor, curiosidades sobre animais da fauna brasileira que correm risco de extinção.

Em “Imagens e fraturas de um país múltiplo”, mesa que aconteceu no dia 14 de outubro, sábado, às 15h, a escritora e jornalista Marilene Felinto conversou com o também escritor e jornalista Fred Di Giacomo Rocha, com mediação da jornalista Adriana Ferreira Silva. Nascida em Recife, Marilene lançou, em 2022, “Mulher feita” (Fósforo), e é autora do consagrado “As mulheres de Tijucopapo”, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti de Autora Revelação, em 1982, aos 22 anos. Fred Di Giacomo nasceu em Penápolis, extremo oeste paulista, autor dos romances “Desamparo”, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2019, e “Gambé” (Companhia das Letras, 2023), “uma história pensada nos termos de um Mano Brown e contada no espírito de Guimarães Rosa”, que acaba de ser lançado.

Celebrada pela imprensa, público e crítica, Natalia Timerman, médica psiquiatra, autora do recente “As pequenas chances” (Todavia, 2023), participou da mesa “Narrativas que dialogam com a memória coletiva”, no sábado, dia 14 de outubro. Seu primeiro romance, “Copo vazio” (Todavia, 2021), foi considerado pela revista Quatro Cinco Um como um dos melhores do ano, além de ter sido um dos mais vendidos do período. Com ela, esteve também o escritor e crítico literário Julián Fuks, considerado um dos 20 melhores jovens escritores brasileiros pela Granta, em 2012, cujo livro mais recente, “Lembremos do futuro” (Cia das Letras, 2022), de crônicas, é semifinalista do Prêmio Oceanos.

Na programação da Flima, também ocorreram shows, estreias teatrais, lançamento de filme (como o nosso documentário em parceria com o Festival de Poesia de Lisboa) e mostra audiovisual. Intitulada “Narrativas Originárias, Imagens e Oralidade: cinemas de autoria indígena”, a mostra de filmes indígenas tem curadoria da antropóloga, documentarista e organizadora do festival Fórum Doc.BH Júnia Torres. Assista a mesa Alianças de Corpos Vulneráveis: na margem do que se lê, um oferecimento da Casa Philos na Flima 2023:


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Publicado por:Philos

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